Dilemas do empreendedorismo: Oportunidade ou Mais um na Informalidade?

De acordo com estimativas da pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) o Brasil deve em 2020 “atingir o maior patamar de empreendedores iniciais dos últimos 20 anos, com aproximadamente 25% da população adulta envolvida na abertura de um novo negócio ou com um negócio com até 3,5 anos de atividade” (Revista PEGN, 2020). Imaginem a minha surpresa (positiva) ao ler essa notícia depois de haver apresentado no meu último artigo um dado em que mais de 510.000 empresas haviam sido fechadas durante a pandemia do novo coronavírus (IBGE, 2020). À primeira vista logo me perguntei: será mesmo que o Brasil caminha rumo a uma saída desta crise através do empreendedorismo?

Parti então para ler direto da fonte e resolvi acessar o relatório da GEM 2019, o qual compartilho na íntegra no final desse artigo e uso algumas das suas tabelas para respaldar o meu argumento, bem como dados da última pesquisa online “O Impacto da Pandemia de Coronavírus nos Pequenos Negócios – 5ª Edição” realizada pela FGV e pelo SEBRAE entre os dias 25 e 30 de Junho deste ano.

Para a minha não tão grata surpresa e reforçando os dados apresentados no meu artigo passado, já em 2019, a principal razão para empreender no Brasil foi para ganhar a vida porque os empregos estavam escassos (Tabela 1.2 do Relatório do GEM) ou simplesmente porque as pessoas perderam os seus empregos e precisavam se reinventar para seguir gerando renda para suas famílias. A realidade é que se as empresas fecham ou precisam demitir porque estão em um momento de crise e o governo demora em pagar o auxílio emergencial, as únicas saídas dentro dos termos da lei são:

1. tentar a sorte e procurar um outro emprego (e competir com um enorme exército de reserva que cresce a cada dia),

2. fazer um concurso público (muitos deles congelados e vários servidores apreensivos com os resultados de uma vindoura reforma administrativa), ou;

3. simplesmente empreender!

            Mas não empreender de qualquer jeito. Empreender na informalidade, claro. Porque é caro, burocrático e a maioria dos empreendedores brasileiros na verdade faz parte de um grande exército da economia informal. Como podemos ver na Tabela 2.5, em 2019 foram 73,6% dos empreendedores que não tinham CNPJ e que não desejaram fazer por diversos motivos, seja porque preferem a estabilidade de uma carteira assinada e enxergam o seu empreendimento como algo temporário, seja porque não tem dinheiro para pagar os impostos.

            Entre uma boa quantidade de estatísticas e outras excelentes recomendações para melhorar o ecossistema empreendedor do Brasil, o relatório do GEM tráz informações valiosas sobre o tema na era pré-pandemia. Mas o que era verdade antes do coronavírus apenas fica mais acentuado para esse momento em que vivemos, porque desde que a pandemia começou, para a grande maioria da população (que precisa comer e alimentar a própria família) a maior motivação para empreender será a de que acabou empreendendo porque encontrar um emprego formal está difícil. E assim aumentamos o número de informais na nossa economia.

            Além disso, a própria população entrevistada faz sugestões para melhorar o ecossistema e estimular pessoas a se tornarem empreendedoras. Eis que o primeiro e terceiro itens mais bem colocados na Tabela 4.2 tem uma correlação interessante com os resultados encontrados na pesquisa Sebrae – O impacto da pandemia do coronavírus nos pequenos negócios – 5ª Edição. 

            A pesquisa GEM 2019 dizia que 14,6% da população sugeria que se houvesse menores custos para contratar mão de obra, mais pessoas se tornariam empreendedoras. A pesquisa Sebrae então apura que 97% dos empresários que possuem funcionários realizou alguma ação que ou desonerou a sua folha de pagamento através da agora Lei 14.020/2020 ou anteciparam ou deram férias coletivas aos seus funcionários para que eles não fossem desligados. Isso nos leva a reforçar e muito a importância de uma reforma tributária que possa de forma responsável desonerar a folha de pagamento, em especial para o micro e pequeno empresário. Essa é sem dúvida uma das principais políticas públicas que podem ser desenvolvidas no fomento ao empreendedorismo e na geração de emprego no Brasil. País aonde se deixa de contratar alguém ou se contrata alguém na informalidade porque os custos legais simplesmente não valem a pena.

            Outro ponto importante é com relação ao acesso ao crédito, que de longe foi apontado na pesquisa GEM como o principal fator que estimularia o empreendedorismo no país. Eis que, durante a pandemia, 46% das pequenas empresas buscaram empréstimos para os seus negócios. Desses, apenas 18% conseguiram. E quais serão as razões para que essas empresas não consigam acesso ao crédito?

            O próprio Sebrae, nessa pesquisa, apresenta que há uma série de desafios a serem considerados, como os que podem ser observados no gráfico abaixo e à esquerda.

            Eu diria que se juntássemos a informação da pesquisa GEM, as informações da Pesquisa Sebrae e conseguíssemos cruzar as informações do movimentadíssimo mercado informal brasileiro (que compreende quase ¾ do total de empreendedores do país, entre eles aqueles que são donos de pequenos negócios) veríamos que o acesso a crédito, ou melhor ao micro crédito, é ainda muito restrito. Ao pequeno empresário, pessoa que normalmente conhece bem do seu negócio, mas que muitas vezes não entende bem de gestão lhe sobram normalmente quatro alternativas:

1. encontrar tempo e qualificação para organizar as finanças da sua empresa;

2. identificar uma pessoa qualificada de sua confiança que possa fazer o serviço por ele;

3. contratar uma consultoria ou assessoria que faça esse trabalho em parceria;

4. deixar como está e empurrar com a barriga.

Na maioria das vezes os empreendedores passam da alternativa 1 para a 4 e o resultado disso se observa, por exemplo, nesses números do Sebrae que trazem a dificuldade de acessar boas linhas de crédito. Quando não viram estatísticas como as do IBGE e se juntam às milhares de empresas que fecham todos os anos.

Por fim, não repetirei aqui as recomendações dos especialistas para melhorar o ecossistema empreendedor no país, mas acredito que o nosso país tem um material humano de excelente qualidade e que, portanto merece mesmo um ambiente e políticas públicas que lhes sejam propícias para empreender ou para alcançar os seus sonhos (sejam lá quais sonhos sejam!). E esse caminho passa por garantir o mínimo necessário e de qualidade para todos os brasileiros e brasileiras.

Marcos Dias Rêgo

Fontes:

Brasil deve atingir marca histórica de empreendedorismo em 2020 (10/06/2020). Retirado em 11/08/2020 em https://revistapegn.globo.com/Noticias/noticia/2020/06/brasil-deve-atingir-marca-historica-de-empreendedorismo-em-2020.html

https://bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/5fd5042cd5fc36840a331a103bd806d9/$File/19646.pdf

https://bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/502a5cbd31ce3ffb3d5472dd5751b84f/$File/19629.pdf

http://ibqp.org.br/PDF%20GEM/Relat%C3%B3rio%20Executivo%20Empreendedorismo%20no%20Brasil%202019.pdf

IBGE, Demografía das Empresas e Estatísticas de Empreendedorismo (2019) Retirado em 30/07/2020 em https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101671.pdf

https://www.linkedin.com/pulse/agentes-de-mudan%25C3%25A7a-o-que-voc%25C3%25AA-vem-fazendo-para-se-consolidar-r%25C3%25AAgo/?trackingId=A93osCUcSOafgwCFpbWRGA%3D%3D

Leave a Comment

Open chat